Aborto de um sonho: sacrificar os sentidos #1

Escrevo hoje, sobre uma corpa que reproduz suas dores a cada menstruação, com cuidado coloco emplastos nas feridas até elas cicatrizarem. 

Já escutei muitas verdades uterinas, corpas e suas memórias despertando sentidos, e na ciclicidade dos comportamentos – os sentidos – continuam sendo reproduzidos pelas corpas.

Preciso contar isso para vocês, apenas pessoas que conviveram os últimos ciclos presenciaram esses momentos, e agora, sinto que esse processo está no pico da transformação, preciso escrever…

Não é sobre ter um útero e sangrar (mas também é), é sobre ser uma pessoa que sente, que entrega suas experiências ao mundo, que sacrifica comportamentos para um encaixe, que tem medo de expressar o por que está aqui, que se torna rígida com o seu sentir – na segurança de uma proteção, por não respeitar o seu próprio ritmo e por muitas vezes entregar seu poder nas mãos de outras pessoas.

O corpo somatiza, sinaliza em conta gotas nossos excessos, até jorrar sem controle, perdemos o controle dos sentidos – paralisamos – amarradas na camisa de força, da nossa própria criação.

Até 2017 fui essa pessoa, realmente amordaçada nas crenças que dominavam meus comportamentos e me distanciava da minha própria natureza, da natureza desse corpo. As relações que vivenciava, partiam desse lugar. Até o limite do tempo ser rompido, os olhos foram abertos através de uma dor muito profunda. Percebi que sacrifiquei meu corpo para reproduzir a dor.

Aborto dos sonhos
Foto: Tais Urquizar

Cada ano que passava a partir de então, na mesma época do ano, essa corpa voltava a sentir a sua dor profunda – a dor da alma – sem muita força, seguia colocando emplastos para cicatrizar as armadilhas do tempo. Essas dores eram expressadas em cólicas uterinas, que me faziam alucinar, viajar a diferentes planos, a me rastejar no chão, de colocar tudo que estava parado no meu estômago para fora, e só conseguia acalmar quando dormia, o dia acabava ali em um sono profundo. Antes aconteciam em datas específicas – a data do trauma – mas com o decorrer do tempo passou a ser uma rotina na fase da menstruação. 

Confesso que desejei parar de menstruar! E quando isso passou pela minha cabeça veio uma força tão grande de dizer – NÃO – ninguém vai te calar.

Desde 2018 buscava ajuda para entender o que se escondia dentro dessa corpa, e nenhum exame me trazia respostas,  eu sabia o início de tudo, eu sabia sobre o trauma, e tentava aliviar o processo de forma terapêutica, e foi e continua sendo a ferramenta para suportar as crises de dor. E agora, maio de 2021 fui diagnosticada com endometriose – a doença da mulher moderna – como alguns dizem.

As coisas mudaram a partir de então, a dor profunda começou a ser transformada, minha corpa começou a transformá-la, me tornei outra pessoa a partir desse diagnóstico, uma etapa de aterramento. Não é sobre romantizar a dor, é sobre mudar. Precisei pôr limites em tudo, novos limites, filtrar o que chegava até mim, distanciar de algumas relações e mudar os hábitos. Suplementar o que está em falta, praticar atividade física, lidar com o tédio, cuidar com os alimentos que estou ingerindo, e sendo acolhida por algumas medicinas naturais como garrafas, tinturas, acupuntura e cromoterapia.  Além de tudo isso, escutar a criatividade, e comunicá-la, não abortar mais ou meus sonhos. A minha dor profunda, surgiu de um aborto de um sonho. 

E hoje escolho viver os meus sonhos, por mais estranhos que possam parecer nessa sociedade do encaixe. Sou um corpo que sangra, e vivo em uma sociedade não preparada para as dores da menstruação, e chorei muito por isso.  Uma das soluções  propostas para aliviar a crise da endometriose foi – parar de menstruar – e hoje eu continuo dizendo não para isso, e estou fazendo o possível para encontrar alternativas para equilibrar os picos de dor. Desde então, já tive uma melhora considerável, hoje inclusive, estou sangrando e não tive nenhuma crise, isso me faz sorrir, me enche de coragem para escrever.

Você que passa pelas crises de dores causadas pela endometriose e sente de conversar, me chama! Sinto que essas trocas são muito valiosas para que possamos entender nossas dores.

Continuarei falando sobre MENSTRUAR até o externo entender a ciclicidade das corpas e preparar suas estruturas baseadas no período menstrual.

Com Amor

Marthina

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